www.fmplanaltoitapiuna.com

Índios Macuxi mostram preparo de prato tradicional com lagartas em RR

06 MAI 2016
06 de Maio de 2016

Inseto frito ou cozinho é saboreado só em uma época do ano pelos índios. No interior da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, índios da etnia Macuxi aguardam a segunda maior chuva do inverno para reproduzir um hábito milenar: comer a arari', uma lagarta da maniva.

O inseto é ingrediente único de um prato exótico saboreado por dezenas de gerações de índios. Mas a iguaria tem época para ser apreciada: as lagartas aparecem só em um período do ano, após as chuvas entre abril e maio.

Na comunidade Raposa I, a 227 KM de Boa Vista, as lagartas nascem nos pés de maniva - plantação de mandioca -  e se alimentam das folhas da planta. Os insetos são tão vorazes que podem destruir a planta por completo. Mesmo assim, os índios escolhem não envenená-las com agrotóxicos. Em vez disso, aguardam ansiosamente pelo aparecimento delas para prepará-las fritas ou cozidas, temperadas apenas com sal e pimenta.

Segundo a nutricionista Luciana Santana, as lagartas são um alimento muito saudável. Elas são ricas em aminoácidos e podem, inclusive, substituir a carne nas refeições.

O pesquisador indígena Enoque Raposo explica que as lagartas, cujo nome científico é erinnyis ello, podem ser predominantemente verdes, pretas ou cinzas. Elas nascem após a segunda maior chuva da estação.

“As borboletas põe seus ovos nas plantas. Logo depois, as lagartas nascem e duram até a próxima grande chuva, quando caem dos pés de maniva, se enterram e viram borboletas", explica.

Para colher a lagarta você tem que dominá-la. Segurá-la pelo ‘rabo’ e depois puxar por inteiro. Elas não mordem"

O G1 acompanhou a colheita de lagartas na Raposa I na quarta-feira (4). Para capturá-las, os indígenas buscam plantações de maniva afetadas pela praga. Às vezes, famílias inteiras se unem na missão de colher as maiores e mais gordas lagartas que inofensivas, não se vingam de seus caçadores.

“Para colher a lagarta você tem que dominá-la. Segurá-la pelo ‘rabo’ e depois puxar por inteiro. Elas não mordem”, ensina Raposo.

O trabalho também atrai crianças e adolescentes interessados em ajudar na colheita. Além de pegarem lagartas para o consumo da família inteira, capturam o máximo possível para depois vender aos vizinhos e amigos por R$ 10 o quilo.

O adolescente Wendel Paulino, de 13 anos, dedicou uma manhã inteira à atividade. Pegou dezenas de lagartas junto com a mãe e depois lucrou R$ 50 com a venda de 5 quilos. O dinheiro, segundo ele, vai ajudar a levar comida para casa.

“Vou comprar arroz, açúcar, feijão. Nunca tinha colhido lagartas, mas agora vi que é fácil e no ano que vem farei isso novamente”, garante Paulino.

Preparo e sabor

Após a colheita, o preparo da iguaria macuxi é simples. Consiste em três etapas: limpeza, pré-cozimento e cozimento. Os únicos temperos acrescentados ao alimento são o sal e a pimenta jiquitaia.

A limpeza consiste na retirada da cabeça, tripas e fezes do inseto. Depois, as lagartas são lavadas em água corrente e levadas ao fogo por 10 minutos com uma pitada de sal. Em seguida, o inseto é cozido por 40 minutos. Também é possível fritar as lagartas após cozinhá-las. Assim, elas ganham tonalidades mais escuras e ficam crocantes.

“Tem gente que come com farinha, arroz e até bota na damurida [prato indígena]. A lagarta não é só para almoçar ou jantar, ela pode ser comida em qualquer horário do dia”, diz a dona de casa Lelia Raposo com as mãos manchadas de preto após dedicar três horas para limpar centenas de lagartas.

Por se alimentar da folha da maniva crua, a lagarta deve ser preparada com bastante cuidado, segundo a professora da reserva indígena Lindóia Raposo.

"A folha da maniva não pode ser ingerida crua por nós, então a limpeza da lagarta tem de ser bem feita, além do pré-cozimento. Para fritar é preciso cozinhar primeiro, assim é mais seguro comer", explica.

A repórter do G1 experimentou as lagartas fritas e cozidas que tem um gosto marcante de coco com camarão. Definir de forma precisa o sabor da arari' comparando-o com outro alimento conhecido é difícil.

Amante do prato exótico, Lindóia Raposo, afirma que as lagartas têm para ela um gosto diferente, que a faz lembrar da infância.

"Como lagartas desde que era criança. É uma tradição na nossa comunidade, então eu também como para lembrar que gosto tem", define a professora, que também tem prazer em servir o prato a seus filhos e netos. "Assim a gente consegue manter nossas tradições".

Apesar de quase todas as mesas da comunidade se encherem de pratos com lagartas neste período do ano, há índios que não aprovam a comida por a acharem “estranha” demais. O agricultor Zilmario Galé é um desses. Ele diz que já tentou, mas não consegue "nem engolir" a lagarta.

“Uma vez estava na roça quando meu irmão me ofereceu lagarta assada. Coloquei na boca, mas não desceu, sabe? Tem um gosto de folha. Não deu para mastigar. Cuspi tudo fora”, relembra Galé, que vive na Raposa I desde que nasceu.

Mesmo sem gostar do prato, ele permite que os filhos comam e costuma colher as lagartas para vender e incrementar a renda familiar. “Todos os meus filhos comem e gostam. Não sinto nojo de ver os outros comendo, eu só não quero pra mim mesmo”, explica.

História do prato

Apesar de ser considerado um hábito milenar, não há um consenso sobre exatamente quando os índios começaram a se alimentar da lagarta.

"Desde quando era bem pequeno, toda a comunidade já comia a lagarta. É importante deixar claro que não fazemos isso por necessidade, mas pelo costume, pela tradição. Além disso, a lagarta é uma comida sadia, até porque ela só se alimenta de folhas", explica o tuxaua [líder da comunidade] Gabriel Silveira.

Ele considera que o hábito de comer a lagarta também é uma espécie de vingança contra o inseto que destrói as roças. "É uma maneira de se vingar delas, que acabam com as plantações de maniva".

'Alimento muito saudável', diz nutricionista

Conforme a nutricionista Luciana Santana, as lagartas são um alimento muito saudável. Elas são ricas em aminoácidos e podem, inclusive, substituir a carne nas refeições.

"A lagarta pode ter tantos aminoácidos essenciais quanto um bife de carne, um filé de peito de frango ou até mesmo uma posta de peixe", pontua.

A nutricionista diz que o alimento é uma excelente opção para as indígenas grávidas e para as crianças. "Toda essa proteína da lagarta é muito benéfica", garante.

Sobre o preparo, a nutricionista explica que a tarefa exige cuidados, já que a folha da maniva, que alimenta as lagartas, tem ácido cianídrico que é tóxico.

"Por isso que para fazer a maniçoba, prato tradicional do Pará, a maniva é cozida por vários dias até que todo o ácido saia. Esse ácido é tóxico e pode fazer mal à saúde. Então, da mesma forma, os índios sabem como preparar e cozinham a lagarta muito bem, não deixando nenhum resíduo da maniva", encerra.

Confira o vídeo com o preparo da especiária clicando aqui.

Foto: Emily Costa

G1/RR

Voltar

www.fmplanaltoitapiuna.com